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LEZAMA LIMA
( CUBA )
José Lezama Lima (Havana, 19 de Dezembro de 1910 – Havana, 8 de Agosto de 1976) foi um romancista, ensaísta e poeta cubano, é considerado uma das figuras mais influentes da literatura latino-americana.[1]
Nascido no Quartel Militar de Columbia, perto de Havana, na cidade de Marianao, onde o seu pai era coronel, Lezama viveu os tempos mais turbulentos da história de Cuba, lutando contra a ditadura de Machado, e mais tarde, sofrendo discriminação durante o regime de Fidel Castro, devido a suas preferências homossexuais. A sua obra literária inclui o romance barroco, semiautobiográfico, Paradiso,[2] de (1966), a história de um jovem e das suas lutas contra misteriosas doenças, contra a morte do seu pai, e as suas sensibilidades homossexuais e poéticas em desenvolvimento. Lezama Lima coligiu ainda várias antologias de poesia cubana e colaborou nas revistas Verbum e Orígenes, sendo considerado o patriarca das Letras Cubanas ma maior parte dos seus últimos anos.[1]
Embora tenha deixado Cuba em pelo menos duas ocasiões (uma viagem à Jamaica e uma possível viagem ao México), a poesia de Lezama Lima, os seus ensaios e dois dos seus romances inspiraram-se em imagens e ideias de diversas culturas e períodos históricos. O estilo barroco que ele desenvolveu baseava-se em partes iguais na sua sintaxe influenciada por Góngora e por uma constelação assombrosa de imagens invulgares. O primeiro livro publicado de Lezama Lima, um longo poema intitulado "Muerte de Narciso", foi publicado quando ele tinha apenas vinte e sete anos, tornando-o instantaneamente famoso em Cuba e instituiu o estilo de Lezama e os seus temas clássicos.
Para além dos seus poemas e romances, Lezama Lima escreveu diversos ensaios sobre figuras da literatura mundial como Mallarmé, Paul Valéry, Góngora e Rimbaud, bem como sobre a estética barroca Latino-Americana. Muito notável são também os seus ensaios publicados como La –expresión americana, descrevendo a sua visão do barroco europeu, a sua relação com os clássicos, e com o barroco Americano.
José Lezama Lima morreu em 1976 e foi enterrado no Cemitério Colon, em Havana. Foi muito influente para os escritores cubanos e porto-riquenhos da sua geração, como Virgilio Piñera, Reinaldo Arenas, René Marqués e Giannina Braschi, que representaram a sua vida nas suas obras.
Para ler a biografia completa de Lezama Lima, visite:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Lezama_Lima
DUAS FAMÍLIAS
Seu pai era um “diplomata de carreira”,
como ele dizia para se diferenciar
do aluvião de politicians disfarçados,
certamente com uma clássica modesta displicência.
Foi para o Brasil,
ali onde uma noz parece um coco
e as mortinha se banham na praia.
Pensava sem remissão nos galanteios
de Talleyrand e nas condecorações
de Metternich, com bigodes frisados
e sentado sempre no centro da mesa.
Ali se casou com uma brasileira
de uma família que havia sido protetora de Aleijadinho.
Morreu muito jovem e deixou uma filha de sete anos.
Depois o padrasto foi embaixador na Suécia,
ela recordava que havia vivido numa casa
toda cercada de janelas
onde a neve cai muito lenta
capturando a mosca verde.
Depois estudara no sombrio internato de Sacré-Coeur.
Quando a surpreenderam com um livro de Musset
e recebeu com discreta surpresa a notícia da sua expulsão.
Sua mãe chorava diante de uma monja
inexorável, coberta com uma chamejante máscara de ferro.
A “petit Louise” lançava seus olhos para além da janela,
onde uma abelha rosa vibrava
pesando menos do que o ar,
apoiando-se na cabecinha de uma girafa
muito distante, tão vaga que não ouvia o que lhe perguntavam
sobre sua saúde ou seus broches.
Mudaram-se depois para Viena,
eram os dias da estreia do Terceiro Homem
e as cloacas eram musicadas por Mozart,
enquanto o gato nos reconhecia
pelos cadarços dos sapatos.
A “petit Louise” fazia o bacharelado
num colégio
de catorze sílabas racinianas.
Sua mãe torcia seus dedos,
cortava-os com uma tesoura de prata
e com cera morna voltava a colá-los,
como se fosse esgrimir com uma espada
da rainha do século XVIII.
Um médico psiquiatra, jovem analista,
não exageradamente polido nem muito presunçoso,
se apaixonara pela jovem
que se escondia atrás das cadeiras
e perguntava, onde estou?
Então se sentiu transparente,
não conseguia se tocar,
nem olhava a sorrir para a grande porta rococó do colégio.
Falou à sua mãe
que lhe desse uma vassoura para varrer
essa pedra que ela havia posto
ao lado da sua cama.
Assim teve a primeira visão da morte,
uma caixa de joias de ébano,
com um estilete secreto.
A jovem sentia frio e queria tremer,
mas não podia e o medo não avançava para seus braços.
Sentia frio e compunha os peitos.
Se alguém dizia
à sua mãe que era brasileira,
lhe mostrava seus modelos da Christian Dior
e acentuava os finais da frase.
Queria pronunciar como uma flor de Renoir,
ou um nu de Manet,
ou aquelas músicas de Ravel
que não tinham nada de jazz.
Mas seus olhos eram negros,
como quem olha uma praia
e despertava cantando
músicas carnavalescas que ouvira
quando menina com a sua velha cozinheira.
Quando estava só
e se olhava diante do espelho,
colocava um grande laço vermelho
como uma borboleta de Pernambuco
pousada em seus cabelos.
Acreditava que era mais francesa que a madame Du Deffand,
a tradutora de Newton,
a amiga de Voltaire.
A “petit Louise” foi a Londres,
suas chaminés como um dedo dourado
cortado em pedaços empilhados.
Os ruivos a faziam rir,
como se visse um gato rosa
ou uma colher de açúcar
que entrasse pelo nariz.
A delicadeza de Shelley
havia se debilitado em jovens
lânguidos e ágeis como gazelas.
Ali conheceu um autor de teatro,
cubano com seis anos de Espanha
mostrou à francesinha
a segunda natureza, o combate
dos espelhos com suas frotas
repletas de bandeiras e saudações
matinais. As frotas se chocavam
quebrando o espelho.
Os personagens saltavam das lunetas
para o centro do proscênio,
todos se conheceram depois do assassinato
de Júlio César, mas não se saudavam
para não despertar, adormecidos
davam-se as mãos
como se afundassem numa piscina
e começassem a nadar.
Ela se tornou cubana
e foram para Pinar del Río
dormir sobre a brandura
carnal das folhas de tabaco.
Era uma carne universal
que levou-a de novo até a França.
Numa excursão ao vale pinarenho
viu um colibri morto de êxtase.
Seu biquinho se afundava no pólen adocicado
e parecia mais vivo e colorido
quanto mais morto.
Ali a “peitit Louise” aprendeu
que a morte é um êxtase,
que a vida consiste em dormir
envolta na carne das folhas do tabaco,
na evaporação universal.
Novembro 1973
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Página publicada em janeiro de 2024
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